Heraldo era taxista. Dos bons. Conhecia não só São Paulo de cor e salteado, mas toda a região Metropolitana. Um dia, passando pela Rua da Consolação de tarde, pegou uma loirinha que acenou. A mulher ia perto, ali para os lados de Pinheiros. Ana era seu nome.

A corrida demorou mais do que deveria. Pudera, os dois conversaram para valer. Ao sair do carro, na frente de seu prédio, Ana deixou o telefone e disse a Heraldo que ligasse qualquer hora. Heraldo ligou.

Casaram, tiveram duas crianças e se mudaram para os lados da Aclimação. Era uma espécie de meio termo. Ana saíra de Pinheiros e Heraldo da Saúde. “Da Aclimação não pega trânsito. Dá pra descer na 23, pegar a Vergueiro até a Anchieta pra ir pra praia e até pra cortar pela 13 de Maio antes de entrar na Paulista”, dizia sempre Heraldo, orgulhoso.

O clima foi bastante agradável entre os dois nos cinco primeiros anos. Heraldo era atencioso, levava a mulher pra viajar e passear, as crianças também. Mas, com o tempo, o pano sempre cai. Heraldo foi descuidando da mulher e Ana começava a se irritar, pois além de sempre ter de tomar a iniciativa, Heraldo jamais estava disponível.

“Oi, amor, vamos ao cinema mais tarde, é que entrou um filme do…”; Heraldo interrompia, “desculpa, linda, estou com um passageiro na Gastão Vidigal, aqui perto do Ceasa, vou demorar”. Isso quando não era “freguês antigo” e Heraldo resolvia fazer corridas de madrugada, buscando em festas e eventos.

E o tempo foi passando. “Não posso, estou entrando no estacionamento do Aeroporto”, “acabei de virar na Avenida Marechal Tito”, “Ih, amor, peguei uma corrida até Santo André”, e por aí foi.

Um dia deu no saco. Ana ligou convidando – a ligação estava péssima – e mais uma vez Heraldou tergiversou. Ana ficou puta e gritou: “então vá pra puta que o pariu”. Com o chiado do telefonema, Heraldo não entendeu direito, e logo respondeu: “como linda? Mas pela Brigadeiro ou ali pela Praça da Bandeira?” Foi a gota d’água.

Hoje Ana namora um ciclista e mora na porta do metrô Vila Mariana. Carro nem pensar, chega. Mas, de vez em quando, toma um táxi ou outro pra matar a saudade. “Rua da Consolação, moço, por favor”; “pela Paulista, né minha senhora?”; “não, pela 13 de Maio, sou ex de taxista”. O cara pega o caminho e não discute.